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Por que confundimos “fechar ciclos” com fuga emocional?

  • Foto do escritor: Helen Pomposelli
    Helen Pomposelli
  • há 3 dias
  • 3 min de leitura

Nos últimos anos, a expressão “fechar ciclos” explodiu na cultura digital como se fosse uma faxina emocional rápida: troca de emprego, término abrupto, desaparecimento emocional, mudanças impulsivas. Tudo em nome de “seguir em frente”. Só que, na prática, as pessoas não estão fechando nada. Estão apenas correndo mais rápido para longe de si mesmas.


De acordo com o psicanalista, filósofo e teólogo Lucas Scudeler, o conceito se popularizou justamente porque virou meme. E como todo meme é raso, superficial e incapaz de sustentar um ser humano na hora que a dor aperta.


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Por que é tão difícil fechar um ciclo de verdade?


Segundo Scudeler, existem três feridas centrais que impedem o encerramento real.


1. ⁠A mente humana evita dor e repete padrões mesmo quando eles destroem a pessoa


“O cérebro prefere o inferno conhecido à travessia desconhecida. A repetição é confortável, mesmo quando machuca”, diz.


As pessoas não voltam porque amam. Voltam porque não suportam o desconforto de lidar com o vazio entre um eu que morreu e um eu novo que ainda não nasceu.


2. A química do apego cria vínculos com a fantasia, não com a realidade


Scudeler explica que dopamina, ocitocina e o sistema de recompensa criam fidelidade ao personagem que a pessoa criou para caber naquela relação.


“Não sofremos pela pessoa que se foi. Sofremos pelo papel que desempenhávamos. Perdemos a fantasia que sustentava nossa identidade”, afirma.


3. Falta espiritualidade adulta e sobra superstição emocional.


Sem valores sólidos, maturidade ética e consciência, o indivíduo se agarra a memes, estereótipos, frases prontas, superstições, rituais mágicos e performances espirituais. Geralmente, ele busca um fechamento que não exige admitir culpa, olhar feridas ou abandonar narrativas de vítima. Isso não é espiritualidade, é fuga.


A problemática do misticismo rápido


O problema, segundo Scudeler, é o crescimento de um mercado de “misticismo rápido”, que vende a ideia de cura instantânea, se aproveitando da dor de quem não quer sentir. “Fechar ciclo virou mantra de oito segundos, mas maturidade não cabe em reels”, afirma.

Hoje, grande parte das práticas populares anestesiam temporariamente, espiritualiza feridas psicológicas, cria uma falsa sensação de superação e impede que a pessoa atravesse o que realmente precisa atravessar. Essa é a ilusão da faxina espiritual: é como alguém que se arruma e passa perfume, mas não toma banho a sete dias.


Encerrar ciclos não é ritual. É morrer para o personagem


Para Scudeler, encerrar ciclos verdadeiramente envolve um processo interno dividido em três camadas profundas. A primeira é a compreensão psicológica, que exige olhar para a história sem maquiagem, reconhecer padrões, admitir responsabilidades. Enquanto você protege sua narrativa, você repete sua história.


A segunda etapa é a elaboração emocional, que exige sentir a dor até o fim e não fugir dela. Segundo o especialista, quem tenta acelerar o sofrimento apenas congela o ciclo. Só é possível curar aquilo que se sente. A dor que é ignorada, volta como sintoma (ansiedade, recaída emocional e atração por imaturos).


Já a terceira camada é o encerramento espiritual, entendido não como ritual, mas como postura ética. Fechar um ciclo significa escolher não alimentar ressentimento, vingança, narrativa de vítima e dependência da dor. É agradecer o aprendizado e liberar espaço interno para novas relações e escolhas. É compreender porque aconteceu o que aconteceu. Esse é o selo final do ciclo.


O que acontece quando um ciclo não é encerrado?


Scudeler aponta que, quando um ciclo não é devidamente fechado, as consequências aparecem de forma clara no comportamento do indivíduo. Entre esses efeitos está a repetição de padrões de relacionamento, a atração por parceiros emocionalmente quebrados, dependência emocional, procrastinação de decisões importantes, baixa autoestima, além de ansiedade e ruminação contínua.


Também se torna difícil abrir espaço para novos vínculos. E o pior: ela se torna fiel à dor que conhece, e não ao futuro que deseja. “Vida parada é sinônimo de ciclo mal encerrado”, conclui o especialista.

 

PER VIVERE BENE

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