Do fundo do mar: Como o potencial terapêutico das algas marinhas pode ajudar a combater doenças
- Helen Pomposelli
- há 12 minutos
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O oceano é um ambiente que, para muitos, é visto como fonte de alimentos. Para outros, como rota comercial que movimenta grandes navios cargueiros que levam produtos de um continente para o outro. Já tem gente que valoriza suas águas infinitas como um espaço de contemplação. Mas uma coisa é fato: ainda há grandes mistérios que ainda são pouco acessados, como uma biodiversidade infinita em suas profundezas. No entanto, nos últimos anos a ciência tem avançado e mostrado que esse ambiente pode oferecer pode ir muito além: sob as ondas, há um grande “laboratório” natural ainda pouco explorado, com potencial para revolucionar a medicina dos dias atuais.

É esse universo que a pesquisadora Tal Luzzatto, da Universidade de Haifa, em Israel, tem investigado com lupa, envolvendo a utilização de pequenas moléculas produzidas por macroalgas, microalgas e bactérias marinhas em aplicações que envolvem tratamentos contra doenças como o câncer, soluções cosméticas para o envelhecimento da pele e o desenvolvimento de novos medicamentos de ponta.
“Meu laboratório está explorando o potencial das algas como possíveis agentes anticâncer, suas propriedades para os cuidados da pele, além do desenvolvimento de antimicrobianos e antibióticos, e pigmentos naturais e compostos gelificantes que podem ser usados pelas indústrias alimentícias e cosmética”, explica Tal com mais detalhes.
Nesse sentido, países como o Brasil se tornam um importante alvo de interesse da pesquisadora, diante da enorme extensão total de seus oceanos - que chega próximo de 4,5 milhões de km² - além da existência de mais de 800 espécies de algas conhecidas nos mares brasileiros.
“A costa brasileira é um verdadeiro tesouro. Reúne condições ideais para o desenvolvimento de uma nova frente de pesquisa em biotecnologia marinha e em estudos metabolômicos que buscam entender não apenas a presença de compostos, mas o contexto biológico e ecológico em que são produzidos. Isso nos ajuda a prever a função dessas moléculas e a entender melhor como utilizá-las para as finalidades terapêuticas”, ressalta a pesquisadora.
Isso expande os horizontes da medicina, que historicamente teve sua trajetória escrita com base em plantas terrestres. “Essas espécies são amplamente utilizadas na medicina tradicional, mas o mar começou a ser explorado para fins terapêuticos apenas nos anos 1970. Ainda estamos no início dessa era”, conta Tal.
Das águas para as prateleiras?
Para transformar essas descobertas em ativos reais, o caminho, de acordo com Luzzatto, depende do objetivo a ser alcançado. “Produtos farmacêuticos exigem anos de pesquisa, inúmeros testes de eficácia, segurança e a conformidade com uma regulamentação rigorosa. Já cosméticos, suplementos ou alimentos funcionais podem chegar ao mercado com mais rapidez”.
Um dos maiores trunfos da pesquisa com algas marinhas é que esse trabalho não envolve, necessariamente, a exploração predatória dos oceanos. “Ao identificar uma molécula ativa, ela pode ser sintetizada quimicamente em laboratório ou integrar sistemas de cultivo controlado para produção em larga escala. A descoberta de produtos naturais não precisa impactar o meio ambiente”, enfatiza Luzzatto.
Para a pesquisadora, o mar pode oferecer soluções para desafios médicos cada vez mais urgentes, como, por exemplo, a resistência bacteriana. “Sempre há necessidade de ter novos antibióticos disponíveis, pois os microrganismos desenvolvem resistência aos medicamentos existentes e precisamos encontrar alternativas que funcionem. No entanto, outras soluções para diversas doenças, fatores nutricionais e de bem-estar podem ser descobertas no mar, que ainda é relativamente pouco explorado”.
O que chama a atenção dos especialistas sobre o potencial promissor das algas é sua diversidade química. E a ideia de que o futuro da medicina pode estar nas águas salgadas já começa a dar seus primeiros sinais. Alguns compostos de algas marinhas e cianobactérias (algas verde-azuladas) estão em fases avançadas de pesquisa ou aprovação para serem aplicadas em medicamentos contra o câncer, depressão, analgésicos, entre outros. É o caso da salinosporamida A, substância produzida por bactérias marinhas que apresentou ação potente contra o câncer colorretal - segundo tipo que mais mata no mundo, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).
Espécies de algas marrons, por exemplo, produzem substâncias como a fucoxantina, que já demonstrou ação potente contra células cancerígenas em testes laboratoriais. Outros compostos, como fucoidanas e laminarinas, têm propriedades anti-inflamatórias, antivirais e imunomoduladoras. Essas substâncias são capazes de inibir o crescimento de tumores, induzir a morte celular programada e até potencializar os efeitos quimioterápicos.
Para Tal, o Brasil tem tudo para se destacar nessa agenda, desde que haja investimentos em pesquisa, infraestrutura e políticas públicas que consigam unir inovação e conservação. “Com a biodiversidade como aliada e o conhecimento, o oceano pode deixar de ser apenas um território azul no mapa e se tornar uma fonte de cura para os desafios da saúde do século XXI”, conclui.
PER VIVERE BENE
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